segunda-feira, 30 de setembro de 2019

A HISTÓRIA DOS VALDENSES

Por J. A. Wylie (1808-1890)
London: Cassell and Company, 1860

CAPÍTULO 10

COLÔNIAS VALDENSES NA CALÁBRIA E APÚLIA
Uma pousada em Turim – Dois jovens valdenses – Um estranho – Convites para a Calábria – Os valdenses buscam a terra – Se estabelecem nela – Suas colônias florescem – Constroem cidades – Cultivam a ciência e ouvem a respeito da Reforma – Petição para estabelecer um pastor – Jean Louis Paschale enviado a eles – Detido – Trazido acorrentado para Nápoles – Levado a Roma

Um dia, por volta do ano 1340, dois jovens valdenses estavam sentados em uma pousada em Turim, envolvidos em uma conversa séria sobre as perspectivas de seu lar. Encerrados em seus vales, e cultivando com labuta suas montanhas um tanto estéreis, suspiravam por limites mais amplos e uma terra mais fértil. "Venham comigo", disse um estranho, que tinha estado escutando despercebido a conversa: "Venham comigo, e eu vos darei campos férteis para suas rochas estéreis". A pessoa que agora cordialmente se dirigia aos jovens, e cujos passos a Providência havia dirigido para o mesmo hotel com eles, era um cavalheiro da Calábria, no extremo sul da península italiana.
Em seu retorno aos vales os jovens relataram as palavras do desconhecido, e as esperanças lisonjeiras que ele lhes estendeu e se deviam estar dispostos a migrar para esta terra do sul, onde o céu era mais afável, e a terra mais fértil, iria recompensar seu trabalho com colheitas mais abundantes. Os anciãos do povo valdense ouviram com interesse. A população de seus vales tinha recentemente crescido em grande parte pelo aumento do número de refugiados albigenses, que haviam escapado do massacre de Inocêncio III na França, e os valdenses, sentindo-se abarrotados de gente, estavam preparados para receber qualquer plano que prometesse uma ampliação de seus limites. Mas antes de aderir à proposta do estranho, eles pensaram que seria conveniente enviar pessoas competentes para analisar esta notícia para eles e a terra desconhecida. Os exploradores valdenses voltaram com um relato lisonjeiro das condições e capacidades do lugar para onde tinham sido convidados a ocupar. Comparado com suas próprias montanhas do norte, cujos cumes o inverno cobria completamente de neve durante todo o ano, cujas gargantas eram varridas por rajadas de ventos furiosos, e cujos lados eram despojados de seus milharais e vinhas por torrentes devastadoras, a Calábria era uma terra prometida. "Há belas montanhas", diz o historiador Gilles, que descreve este assentamento como "vestido com todos os tipos de árvores de frutas brotando espontaneamente de acordo com sua época, nas planícies, vinhas e castanhas; no chão subindo, nozes e todas as árvores frutíferas. Em todo o lugar eram vistas ricas terras aráveis e poucos trabalhadores". Um conjunto considerável de emigrantes foram enviados para este novo lugar. Os jovens foram acompanhados até suas futuras casas com suas esposas. Eles levaram consigo a Bíblia numa versão romanceada", na arca santa da Nova Aliança e da paz eterna".
As condições de sua emigração ofereceu uma segurança razoável para o exercício livre e regular de sua adoração. "Através de um convênio com os senhores locais, posteriormente ratificada pelo rei de Nápoles, Fernando II de Aragão, eles foram autorizados a governar seus próprios assuntos, civil e espiritual, por seus magistrados, e os seus próprios pastores" [Muston, p. 37]. Sua primeira povoação era perto da cidade de Montalto. Meio século depois levantou-se a cidade de San Sexto, que depois se tornou a capital da colônia. Outras cidades e vilas surgiram, a região, que antes tinha sido escassamente habitada e cultivada, logo foi transformada em um alegre jardim. As elevadas colinas, foram vestidas com árvores frutíferas, e as planícies com culturas luxuriantes. O Marquês de Spinello ficou tão impressionado com a prosperidade e a riqueza dos assentamentos, que se ofereceu para ceder terras em suas próprias fazendas vastas e férteis, onde estes colonos pudessem construir cidades e plantar vinhas. Uma de suas cidades ele autorizou a cercar com um muro, daí o seu nome, La Guardia. Esta cidade, situada numa altura perto do mar, logo se tornou populosa e opulenta [Leger, parte 2, p. 333].
Para o fim do mesmo século, outro corpo de emigrantes valdenses chegaram de Provence, no sul da Itália. Os recém-chegados se estabeleceram em Apúlia, não muito longe de seus irmãos da Calábria. Vilas e cidades surgiram, e a região rapidamente pôs uma nova face no âmbito das melhorias e criação dos colonos. Suas alegres casas, junto a pomares de laranjas e murtas, seus montes cobertos com oliveiras e vinhas, os seus campos de milho e pastagem, foram a maravilha e a inveja de seus vizinhos.
Em 1500, chegou na Calábria ainda outra emigração dos Vales do Pragelas e Fraissinieres. Este terceiro corpo de colonos instalaram-se na Volturata, um rio que flui dos Apeninos para a Baía de Tarento. Com o aumento do seu número veio um aumento da prosperidade para os colonos. Seus vizinhos, que não sabiam o segredo dessa prosperidade, ficaram perdidos em espanto e admiração. Os atributos físicos da região ocupada pelos emigrantes não era diferente em nenhum sentido de suas próprias terras, ambos estavam sob o mesmo céu, mas quão diferente é o aspecto de uma em relação a outra! O solo, tocado pelo arado dos valdenses parecia sentir um fascínio que fazia abrir o seu peito e render um aumento de dez vezes. A vinha pendia nas mãos valdenses os mais ricos cachos, e esforçou-se em rivalidade generosa com o figo e a azeitona para superá-los em enriquecer com a sua produção as mesas valdenses.  E como era maravilhoso o silêncio e a ordem de suas cidades, e um ar de felicidade no rosto das pessoas! E como era doce ouvir o balido das ovelhas nas colinas, o mugido do gado nos pastos, o canto do ceifador e do coletor de uva, e as vozes alegres de crianças brincando ao redor das aldeias e vilas! Por cerca de 200 anos essas colônias continuaram a florescer.
"É uma circunstância curiosa", diz o historiador M'Crie, "que o primeiro raio de luz, no renascimento das letras, brilhou nesse lugar remoto da Itália, onde os valdenses tinham encontrado um asilo. Petrarca primeiro adquiriu um conhecimento da língua grega de Barlaam, um monge da Calábria, e Boccaccio foi ensinado por Leôncio Pilatus, que era um ouvinte de Barlaam, se não era também natural do mesmo lugar "[M'Crie, Itália, 7,8 pp] . Muston diz que "as ciências floresceram entre eles" [Muston, Israel of the Alps, p. 38]. O dia da Renascença ainda não tinha rompido. O vôo dos estudiosos, que traziam consigo a semente da antiga aprendizagem para o Ocidente, ainda não tinha tido lugar, mas os valdenses da Calábria pareciam ter antecipado o grande renascimento literário. Trouxeram com eles as Escrituras numa versão romanceada. Eles possuíam, sem dúvida, o gosto e o talento das mesmas nações onde os romances eram, então, famosos, e, além disso, em seu assentamento sulista eles podiam ter tido acesso a algum conhecimento das ciências que os sarracenos, então, tão assiduamente cultivavam, e assim provavelmente, com o seu lazer e riqueza, como estes valdenses devessem voltar sua atenção para as letras, bem como a seus afazeres, e fazer sua terra adotiva os vocais com as canções dessas cantorias com a qual Provence e Dauphine ressoava tão melodiosamente, até que sua música se apagou de uma vez e para sempre pelos assassinos de Simão de Montfort? Mas aqui nós só podemos conjecturar ambiguamente, pois os registros desse povo interessante são escassos e duvidosos.
Estes colonos mantiveram sua ligação com a terra-mãe dos Vales, embora situada na extremidade oposta da Itália. Para manter viva a sua fé, que era o elo de ligação, os pastores foram enviados em revezamento de dois para ministrar nas igrejas da Calábria e Apúlia, e quando tinham cumprido seu mandato de dois anos, eram substituídos por outros dois. Os pastores, em seu caminho de volta para os vales, visitavam seus irmãos nas cidades italianas, pois naquela época eram poucas as cidades da península em que os valdenses não eram encontrados. O avô do historiador valdense, Gilles, numa dessas visitas pastorais a Veneza, foi assegurado pelos valdenses com quem conversara, que não havia menos de seis mil nessa cidade. O medo ainda não havia despertado suspeitas e nem acendido o ódio dos romanistas, pois a Reforma ainda não era chegada. Nem os valdenses se importavam de lançar as suas opiniões para a análise de seus vizinhos. Ainda assim, os sacerdotes não podiam deixar de observar que os modos desses colonos do norte eram, em muitas coisas, peculiares e estranhas. Eles evitavam se divertir e ir em festas, tinham suas crianças ensinadas por mestres estrangeiros, em suas igrejas não haviam nem imagens nem velas acesas, nunca iam em peregrinação, eles enterravam seus mortos sem acompanhamento dos sacerdotes, e nunca foram conhecidos por trazer um vela para o santuário da virgem, ou pagar uma missa para ajudar de seus parentes mortos. Estas peculiaridades eram certamente surpreendentes, mas uma coisa os expiava - pagavam com absoluta pontualidade e fidelidade seus dízimos estipulados, e como o valor de suas terras ia aumentando anualmente, houve um aumento anual correspondente tanto nos dízimos devidos aos padres quanto as rendas a pagar ao senhorio, e nem um nem outro estava desejoso em perturbar um estado de coisas tão benéficos para si, e que foi se tornando cada dia mais vantajoso [Perrin, Histoire des Vaudois, p. 197. Monastier, p. 203-4].
Mas, em meados do século XVI, o vento do Protestantismo do norte começou a se mover sobre estas colônias. Os pastores que as visitaram disseram-lhes do sínodo, que tinha sido realizado em Angrogna em 1532, e que tinha sido como o "início do mês" para a antiga Igreja dos Vales. Mais notícias gloriosas ainda eles comunicaram aos cristãos da Calábria. Na Alemanha, França, Suíça e Dinamarca, o antigo Evangelho tinha resplandecido em uma forma até então desconhecida por muito tempo. A lâmpada dos Alpes já não era a única luz solitária no mundo: em torno dela havia um círculo de tochas poderosas, cujos raios, misturando-se com os da velha luminária, foram combinados para dissipar a noite da cristandade. Ao ouvir essas coisas estupendas seu espírito reviveu: sua conformidade passada pareceu-lhes como covardia, eles também, então tomariam parte na grande obra da emancipação das nações, fazendo confissão aberta da verdade. Não se contentando mais com a simples visita de um pastor, pediram a Igreja mãe para lhes enviar um que pudesse permanentemente estar entre eles e exercer o ofício sagrado*.
Muston, p. 38, Monastier e M'Crie dizem que o pedido de um pastor foi feito para Genebra, e que Paschale foi enviado para a Calábria, acompanhado por um outro ministro e dois mestres. É provável que o pedido fora apresentado em Genebra com a intermediação da Igreja mãe.
Havia na época um jovem pastor em Genebra, um nativo da Itália, e nele a Igreja dos Vales confiou para o posto perigoso, mas honrado. Seu nome era Jean Louis Paschale, ele era um nativo de Coni, na planície do Piemonte. Católico de nascimento, sua primeira profissão foi no exército, mas de um cavaleiro da espada que ele havia se tornado, como Loyola, através de um sentimento verdadeiro, virou um cavaleiro da Cruz. Ele tinha acabado de completar seus estudos teológicos em Lausanne. Estava noivo de uma jovem do Piemonte, Camilla Guerina [M'Crie, p. 324]. "Ai de mim!" ela exclamou com tristeza, quando ele falou para ela de sua partida para a Calábria, "tão perto de Roma e tão longe de mim". Eles se separaram, para nunca mais se encontrarem na Terra.
O jovem pastor levava consigo para a Calábria o espírito energético de Genebra. Sua pregação era com poder, o zelo e coragem do rebanho da Calábria reviveu, e à luz anteriormente escondida debaixo do alqueire era agora abertamente exibida. Seu esplendor atraiu a ignorância e despertou o fanatismo da região. Os sacerdotes, que toleravam uma heresia que havia se comportado de forma modesta, e pagava suas dívidas de modo pontual, não podia mais fazer vistas grossas. O Marquês de Spinello, que tinha sido o protetor dos colonizadores, até agora, tinha achado a sua bondade mais do que paga na condição de florescimento de suas terras, foi obrigado a agir contra eles. "Que coisa horrível, o luteranismo", ele disse,   "tinha se rompido aqui, e logo destruíria todas as coisas".
O marquês chamou o pastor e seu rebanho diante dele. Depois de abordar alguns momentos a Paschale, o marquês mandou embora os membros da congregação com uma severa repreensão, mas o pastor lançou nas masmorras de Foscalda. O bispo da diocese próxima tomou o assunto em suas próprias mãos, e removeu Paschale para a prisão de Cosenza, onde ficou confinado por oito meses.
O Papa ouviu falar do caso, e delegou o Cardeal Alexandrini, Inquisidor-Geral, para extinguir a heresia no Reino de Nápoles [Monastier, p. 205]. Alexandrini ordenou que Paschale fosse removido do Castelo de Cosenza e conduzido a Nápoles. Na viagem, ele foi submetido a terríveis sofrimentos. Acorrentado a um bando de prisioneiros - as algemas erão tão apertadas que entraram na carne - ele passou nove dias na estrada, dormindo à noite sobre a terra nua, que foi trocado em sua chegada a Nápoles para uma masmorra profunda e úmida, cujo cheiro o sufocava [M'Crie, p. 325].
Em 16 de maio de 1560, Paschale foi levado acorrentado para Roma, e encarcerado na Torre di Nona, onde ele foi posto em uma cela não menos fétida do que a que ele ocupava, em Nápoles.
Seu irmão, Bartolomeu, tendo obtido as cartas de recomendação, veio de Coni para obter, se possível, algum alívio de seu destino. A entrevista entre os dois irmãos, como dito por Bartolomeo, foi comovente. "Foi muito horrível vê-lo", diz ele, "com a cabeça descoberta, e suas mãos e braços dilacerados pelos cordões com a qual ele estava amordaçado, como alguém prestes a ser levado à forca. Ao me aproximar para abraçá-lo eu afundei no chão. "Meu irmão", disse ele, "se você é um cristão, por que você se angustia mesmo assim? Você sabe que uma folha não pode cair no chão, sem a vontade de Deus? Conforte-se em Cristo Jesus , pois os problemas atuais não são dignos de serem comparados com a glória que está por vir'."Seu irmão, que era um romanista, ofereceu-lhe metade da sua fortuna se ele se retratasse e salvasse sua vida. Mesmo este símbolo de afeição não podia movê-lo. "Oh, meu irmão!" disse ele, "o perigo em que está envolvido me dá mais angústia do que tudo o que sofro" [M'Crie, p. 325-7].
Ele escreveu à sua noiva prometida com uma caneta que, se suavizou a imagem de seus próprios grandes sofrimentos, expressou livremente o afeto que ele sentia por ela, que "crescia", diz ele, "com o que eu sinto por Deus". Tampouco estava desatento do seu rebanho, na Calábria. "Meu estado é esse", diz ele, numa carta dirigida para eles: "Eu sinto minha alegria aumentar a cada dia, enquanto eu me aproximo mais perto da hora em que serei oferecido em um sacrifício de cheiro suave ao Senhor Jesus Cristo, meu fiel Salvador, sim, de modo inexprimível é a minha alegria que me parece a mim mesmo para ser livre do cativeiro, e estou preparado para morrer por Cristo, e não apenas uma, mas dez mil vezes, se fosse possível, no entanto, eu persevero implorando a ajuda divina através da oração, pois estou convencido de que o homem é uma criatura miserável quando entregue a si mesma, e não aprovada e nem dirigida por Deus "[Ibid., p. 326-7].


Traduzido por Edimilson de Deus Teixeira
Fonte: Providence Baptist Ministries

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