segunda-feira, 30 de setembro de 2019

A HISTÓRIA DOS VALDENSES
Por J. A. Wylie (1808-1890)
London: Cassell and Company, 1860

PRIMEIRO CAPÍTULO 


OS VALDENSES, SEUS VALES
Submissão das Igrejas da Lombardia a Roma, a fé antiga mantida nas montanhas - As igrejas valdenses - A questão da sua antiguidade - Abordagem de suas montanhas - Disposição dos seus vales - imagem misturadas de beleza e grandeza  


No século IX, as crenças supersticiosas e ritos idólatras se espalharam pelas igrejas, quando Cláudio, bispo de Turim, profundamente imbuído no espírito de Agostinho, pôs-se a deter a corrupção crescente, com todo o fervor de uma fé viva e o vigor de um intelecto corajoso e poderoso. Na batalha pela pureza da doutrina ele se juntou à causa da independência das Igrejas da Lombardia. Nos dias de Cláudio permaneceram livres, embora muitas igrejas mais distantes de Roma já tinham sido dominadas por esse poder avassalador. A Liturgia Ambrosiana ainda era usada na catedral de Milão, e a doutrina agostiniana continuou a ser pregada em muitos púlpitos da Lombardia e Piemonte. Essa independência de Roma, e a maior pureza da fé e da adoração nestas Igrejas, foi principalmente devido aos três homens apostólicos cujos nomes adornam seus anais - Ambrósio, Vigilantius, e Cláudio.  
Quando Cláudio faleceu, por volta do ano 840, a batalha, embora não completamente descartada, foi mantida, mas languidamente. As tentativas foram renovadas para induzir os bispos de Milão a aceitar o manto episcopal, o emblema de vassalagem espiritual do papa, mas não foi até o meio do século XI (1059), sob Nicolau II. Estas tentativas foram bem sucedidas. Petrus Damianus, bispo de Ostia, e Anselmo, bispo de Lucca, foram expedidos pelo Pontífice para receber a submissão das Igrejas da Lombardia, e em meio a tumultos populares que essa submissão foi conseguida mediante esforço suficiente para mostrar que o espírito de Cláudio ainda permanecia no sopé dos Alpes. Nem o clero escondeu o pesar com que entregaram suas antigas liberdades a um poder que dominava toda a terra, para em seguida, curvar-se a ele, para o legado papal. Damianus, informa que o clero de Milão manteve em sua presença que "A Igreja Ambrosiana, de acordo com as antigas instituições dos pais, sempre foi livre, sem estar sujeita às leis de Roma, e que o papa de Roma não tinha jurisdição sobre a sua Igreja bem como para o governo ou a constituição desta" [Petrus Damianus, Opuse., p. 5. Allix, Churches of Piedmont. p. 113. M’Crie, Hist. of Reform. in Italy, p. 2].
Mas se as planícies foram conquistadas, não o foram as montanhas. Um conjunto considerável de manifestantes destacou-se contra este ato de submissão. Destes alguns cruzaram os Alpes, desceram o Reno, e levantaram oposição na diocese de Colônia, onde foram marcados como maniqueístas, e premiados com a estaca. Outros se retiraram dos vales dos Alpes piemonteses e mantiveram sua fé bíblica e a sua antiga autonomia. O que ao menos foi relatado, respeitando as dioceses de Milão e Turim, estabeleceu a questão da apostolicidade da Igreja dos vales valdenses. Não é necessário mostrar que os missionários foram enviados de Roma, na primeira época para plantar o cristianismo nestes vales, nem é necessário mostrar que estas Igrejas têm existido como comunidades distintas e separadas desde os primeiros dias, o suficiente para elas formarem uma parte, como fizeram, sem dúvida, da grande Igreja evangélica do norte de Itália. Esta é a prova de uma vez por todas da sua apostolicidade e da sua independência. Comprova sua descendência de homens apostólicos, se a doutrina é a vida das Igrejas. Quando seus correligionários nas planícies entraram nos limites da jurisdição romana, eles se retiraram para as montanhas, e rejeitando o jugo tirânico e as corruptas doutrinas da igreja das sete colinas, eles preservaram sua pureza e simplicidade da fé que seus pais tinham mantido. Roma tinha manifestado o cisma, foi ela que abandonou o que já foi a fé comum da cristandade, deixando por assim dizer a todos os que permaneceram no antigo terreno do indisputável título válido da Igreja Verdadeira.  

Por trás dessa muralha de montanhas, que a Providência previu a aproximação do dia do mal, quase parecendo ter sido criado de propósito, que o remanescente da primitiva Igreja apostólica da Itália acendeu a sua lâmpada, e aqui a fez continuar a arder por toda a noite que desceu sobre a cristandade. Há uma coincidência singular de provas em favor da sua antiguidade. Suas tradições, invariavelmente, apontam para uma descendência ininterrupta desde os primeiros tempos, no que diz respeito a sua crença religiosa. O Nobla Leycon, que data do ano 1100 [o recente criticismo alemão se refere ao Nobla Leycon com uma data posterior, mas ainda anterior à Reforma], prova que os valdenses do Piemonte não devem a sua ascensão a Pedro Valdo de Lyon, que não apareceu até a segunda metade desse século (1169). O Nobla Leycon embora um poema, é, na realidade, uma confissão de fé, e poderia ter sido composto somente após algum estudo considerável do sistema da cristandade em contraste com os erros de Roma. Como pode uma Igreja surgir com esse documento em mãos? Ou como poderiam estes pastores e vinhateiros, calados nas suas montanhas, ter detectado os erros contra a qual deram o seu testemunho, e encontrar seu caminho para as verdades do qual fizeram profissão aberta em tempos de escuridão, como estas? Se admitirmos que as suas crenças religiosas eram a herança de séculos anteriores, transmitida de uma ancestralidade evangélica, tudo é simples, mas se nós mantermos que eles foram os descobridores dos homens daqueles dias, afirmamos que quase se aproxima de um milagre. Seus maiores inimigos, Claude Seyssel de Turim (1517), e Reynerius, o Inquisidor (1250), admitiram a sua antiguidade, e os estigmatizaram como "os mais perigosos de todos os hereges, porque eram os mais antigos".  
Rorenco, Prior de São Roque, Turim (1640), foi contratado para investigar a origem e antiguidade dos valdenses e, claro, teve acesso a todos os documentos valdensianos, e sendo o seu grande inimigo, ele pode presumir ter feito o seu relatório o mais desfavorável que pudesse. No entanto, ele afirma que "não eram uma nova seita, dos séculos nono e décimo, e que Cláudio de Turim deve ter os destacado da Igreja no século IX".  

Dentro dos limites de sua própria terra Deus proporcionou uma habitação para esta venerável Igreja. Permitamos um olhar sobre esta região. Quem vem pelo sul, através do nível plano do Piemonte, ainda que a uma centena de quilômetros de distância, pode ver os Alpes se erguendo, estendendo-se como uma grande muralha ao longo do horizonte. Das portas do amanhecer para o entardecer, as montanhas correm em uma linha de magnificência imponente. Pastagens e florestas de castanhas vestem a sua base; coroas de neves eternas cobrem suas cúpulas. Como são variadas as suas formas! Alguns ascendem como castelos de força estupenda, outros saltam altos e finos como agulhas, enquanto outros ainda correm ao longo das linhas serrilhadas, as cimeiras rasgadas pelas fissuras das tempestades de muitos milhares de invernos. Na hora do nascer do sol, desperta como em glória ao longo da crista da muralha de neve! Ao pôr do sol o espetáculo é novamente renovado, e uma linha como de piras para queimar é visto no céu do anoitecer.  

Aproximando-se as montanhas, em uma linha de cerca de trinta quilômetros a oeste de Turim, elas se abrem diante de um portal que parece uma grande montanha. Esta é a entrada para o território valdense. Um monte baixo arrastado na frente serve como uma defesa contra todos os que podem vir com intenção hostil, mas muito frequentemente como aconteceu em tempos passados, quando um monólito estupendo - o Castelluzzo – que parece atingir as nuvens, destaca-se como sentinela no portão desta região de renome. Quando alguém se aproxima de La Torre, Castelluzzo dá a impressão de subir mais e mais, e irresistivelmente prende os olhos pela beleza perfeita de seus pilares. [O novo e elegante templo dos valdenses está agora ao pé da Castelluzzo.] Mas, a este monte um interesse maior que qualquer outro que pertence a esta simples simetria é dado. Está indissoluvelmente ligado as memórias dos mártires e empresta um halo das conquistas do passado. Quantas vezes, nos dias antigos, que foram os confessores da fé verdadeira arremessados nas suas íngremes encostas, e lançados sobre as pedras em seu sopé! E ali, misturados em um monte medonho, que ficava cada vez maior e terrível a cada outra e ainda mais outra vítima atirada a ele, estavam os corpos mutilados de pastores e camponeses, das mães e das suas crianças! Foram as tragédias relacionadas com esta montanha, principalmente, que suscitou o nobre soneto de Milton:  

"Vinga, Senhor, teu santos abatidos, cujos ossos  
Se encontram espalhados nas frias montanhas alpinas.  
Que foram as tuas ovelhas, que foram teu antigo rebanho,  
Mortos pelos Piemonteses sanguinários, rolaram  
Mães com seus filhos abaixo, pelas rochas. Seus gemidos  
Os vales ecoaram aos montes, e eles  
Para o céu"  

Os vales valdenses são em número de sete, eram mais em tempos antigos, mas os limites do território de Vandois sofreu repetidos cortes e agora, apenas sete permanecem, situados entre Pinerolo no leste e Monte Viso, a oeste – essa montanha piramidal forma um objeto tão proeminente que domina toda a parte da planície do Piemonte, elevando-se sobre as montanhas circundantes, e, como uma trombeta de prata, corta a escuridão do firmamento.  

Os três primeiros vales são como os raios de uma roda, no ponto em que estamos, a entrada, a saber, sendo a nave. O primeiro é Luserna, ou Vale da Luz. Percorre-se pela direita um grande desfiladeiro de cerca de doze quilômetros de comprimento por cerca de dois de largura. Ele veste um piso de prados, que as águas do rio Pelice mantêm sempre fresco e brilhante. Uma profusão de vinhas, acácias e amoreiras salpicadas com suas sombras; e uma parede de montanhas elevadas fecha-o por todos os lados. A segunda é Rora, ou Vale dos Orvalhos. É um grande copo, com alguns quilômetros de circunferência, seus lados exuberantemente vestidos com prados e milhos do campo, com árvores frutíferas e florestais, e sua borda formada por montanhas escarpadas e repicadas, muitos deles cobertos pela neve. O terceiro é Angrogna ou vale dos gemidos, de que falaremos mais particularmente depois. Para além da extremidade dos primeiros três vales estão os quatro restantes, formando, por assim dizer, o aro da roda. Estes últimos são fechados, por sua vez, por uma linha de altas montanhas, que formam um muro de defesa em torno de todo o território. Cada vale é uma fortaleza que tem a sua própria porta de entrada e de saída, com suas grutas e pedras, e árvores de castanhas poderosas, formando locais de refúgio e abrigo, de modo que a maior habilidade de engenharia existente não poderia ter feito melhor adaptação em cada um destes vários vales para ter este efeito. Não é menos notável que, tendo todos estes vales juntos, cada um está tão relacionado com outro, a abertura de um para outro, que pode ser dito formar uma fortaleza de força incrível e incomparável inteiramente inexpugnável, na verdade. Todas as fortalezas da Europa, mesmo que combinadas, não formariam uma cidadela de modo extremamente forte, e tão deslumbrantemente magnífica, como a habitação de montanha de Vandois. "O nosso Eterno Deus", diz Leger: "com esta terra destinada a ser o teatro de suas maravilhas, e o baluarte da sua arca, tem, por meios naturais, mais maravilhosamente o fortalecido". Se a batalha começasse em um vale poderia ser continuada em outro, e levado sucessivamente por todo o território, até que o último inimigo invasor, dominado pelas rochas rolasse sobre elas das montanhas, ou atacado por inimigos que começassem de repente a sair da névoa ou de algumas cavernas insuspeitas, acharia a retirada impossível, e feito em pedaços, deixasse seus ossos para branquear nas montanhas, que ele tinha vindo para dominar.

Estes vales são encantadores e férteis, bem como fortes. Eles são regados por torrentes numerosas, que descem das neves dos cumes. Um tapete de grama cobre o seu fundo; vinhas e botões de ouro caem de suas inclinações inferiores, os chalés nos seus lados, docemente cobertos com folhagens em meio a árvores frutíferas, e mais acima, grandes florestas de castanhas e terras de pastagem, onde os pastores vigiam seus rebanhos durante todo o dia de verão e nas noites estreladas. Os penhascos inclinando-se, a partir do qual os saltos torrenciais para a luz do riacho cantando com alegria calma em um canto obscuro, as brumas, movendo-se majestosamente entre as montanhas, ora velando, ora revelando sua majestade, e os longínquos cumes, como ponta de prata, a ser alterado em ouro reluzente compõem uma imagem misturada de beleza e grandeza, sem igual, talvez, e certamente não ultrapassada em qualquer outra região da terra.  

No coração de suas montanhas situa-se o mais interessante, talvez, de todos os seus vales. Foi neste retiro de forma circular, murado por "colinas cujas cabeças tocam o céu", que seus pastores, de todas as suas várias igrejas, costumavam reunir-se em sínodo anual. Foi aqui que sua faculdade funcionava, e foi aqui que os seus missionários foram treinados e depois da ordenação, foram enviados a semear a boa semente, com a oportunidade oferecida, em outras terras. Vamos visitar este vale. Subimos a ele pelo longo, estreito e sinuoso Angrogna. Prados radiantes e vivos animam sua entrada. As montanhas de ambos os lados estão vestidas com a videira, a amoreira, e os castanheiros. Logo o vale se contrai e torna-se áspero com a projeção das rochas, e com árvores de grande sombra. A poucos passos adiante se expande em uma bacia circular, com bétulas, quedas d’água, cercada por cima de rochedos nus, com franjas de pinheiros escuros, enquanto que o pico branco parece descer do céu. Um pouco antes o vale parece ser trancado por um muro montanhoso, estabelecido para a direita através dela e além, elevando-se para cima e de forma sublime, é visto um conjunto de Alpes nevados, que está colocado no meio do vale em questão, onde queimou a antiga vela da era dos valdenses. Alguma convulsão terrível rachou este monte de cima a baixo, abrindo um caminho através dele para o vale e além. Entramos no abismo escuro, e prosseguindo ao longo de uma borda estreita no lado da montanha, a meio caminho entre a inclinação e a torrente, se ouve o trovejar no abismo abaixo, e as cimeiras que se apóiam sobre nós acima. Caminhando, assim, por cerca de duas milhas, a passagem começa a se alargar, a entrar luz, e agora chegamos ao portão de Pra.  

Abre-se diante de nós um nobre vale circular, seu fundo gramíneo regado por torrentes, os seus lados dotados de habitações e vestido com searas e pastagens, com um anel de picos brancos cercando-o acima. Este foi o santuário interior do templo valdense. Enquanto que o resto da Itália tinha se desviado aos ídolos, somente o território valdensiano tinha sido preservado para a adoração ao Deus verdadeiro. E não foi ele que encontrou neste solo nativo um remanescente da Igreja Apostólica da Itália mantido, que Roma e toda a cristandade poderia ter diante de seus olhos um monumento perpétuo do que eles próprios tinham sido uma vez, e uma testemunha viva para testificar como agora eles haviam abandonado a sua primeira fé? [1] 

NOTAS:  
[1] Esta breve descrição dos vales valdenses foi elaborado a partir de observações pessoais do autor.




Traduzido por  Edimilson de Deus Teixeira
Fonte:  Providense  Baptist  Ministries

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